O Supremo Tribunal Federal retomou nesta quarta-feira (22) o
julgamento conjunto de dois processos que discutem a licitude da terceirização,
com o exame das questões preliminares e os votos dos relatores. Tanto o
ministro Luís Roberto Barroso, relator da Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental (ADPF) 324, quanto o ministro Luiz Fux, relator do Recurso
Extraordinário (RE) 958252, entendem que a prática é lícita em todas as etapas
do processo produtivo, inclusive nas atividades-fim. O julgamento prosseguirá
na sessão desta quinta-feira (23), com os votos dos demais ministros.
Na ADPF 324, a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag)
questiona a constitucionalidade da interpretação adotada “em reiteradas
decisões da Justiça do Trabalho” relativas ao tema. A entidade argumenta que as
decisões que restringem a terceirização com base na Súmula 331 do Tribunal
Superior do Trabalho (TST) afetam a liberdade de contratação e violam os
preceitos constitucionais fundamentais da legalidade, da livre iniciativa e da
valorização do trabalho.
O RE 958252, com repercussão geral reconhecida, foi interposto
pela Celulose Nipo Brasileira S/A (Cenibra) contra decisão do TST que manteve a
ilicitude da terceirização dos serviços de reflorestamento e afins, com
entendimento de que se trata de atividade-fim. O principal objeto de
questionamento é a Súmula 331 do TST, que considera ilegal a contratação de
trabalhadores por empresa interposta e prevê o reconhecimento do vínculo
diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário.
Questões preliminares
Por maioria, o Plenário rejeitou todas as questões preliminares
suscitadas na ADPF 324. A primeira a ser discutida dizia respeito ao cabimento
da ação, em razão de seu objeto ser um conjunto de decisões que se
concentrariam num enunciado de súmula de tribunal superior. Ficaram vencidos os
ministros Edson Fachin, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski.
Em outra, alegava-se perda de objeto diante de duas leis
posteriores que tornaram lícita a terceirização: a Lei 13.429/2017 (Lei da
Terceirização) e a Lei 13.467/2017 (Reforma Trabalhista). O relator afastou a
preliminar por entender que o padrão das decisões atacadas pela Abag permanece.
“A Lei 13.467 foi publicada em 13 de julho de 2017 e, passado mais de um ano, a
Súmula 331 do TST não foi revogada ou alterada para se ajustar à norma”,
afirmou Barroso.
Sobre esse ponto, o ministro Edson Fachin divergiu, ressaltando
que as duas leis são objeto de diversas ações diretas de inconstitucionalidade
(ADIs) e de ações declaratórias de constitucionalidade (ADCs). Para ele, o
julgamento deveria ser sobrestado para que o exame da matéria fosse feito em
conjunto com as ações de controle concentrado. Prevaleceu, no entanto, o voto
do relator, vencidos ainda a ministra Rosa Weber e o ministro Ricardo Lewandowski.
Por fim, foi questionada a legitimidade da Abag para a
proposição de ADPF, por se tratar de entidade que reúne diversos segmentos de
um mesmo mercado ou atividade econômica. Também ficaram vencidos os ministros
Fachin, Rosa Weber e Lewandowski e a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia.
ADPF 324
Ao votar pela procedência da ação, o ministro Roberto Barroso
assinalou que a discussão em torno da terceirização “não é um debate entre
progressistas e reacionários”. Trata-se, a seu ver, de encontrar um caminho
para assegurar o emprego, garantir os direitos dos trabalhadores e proporcionar
o desenvolvimento econômico. “Num momento em que há 13 milhões de desempregados
e 37 milhões de trabalhadores na informalidade, é preciso considerar as opções
disponíveis sem preconceitos ideológicos ou apego a dogmas”, afirmou.
Barroso destacou que as relações de trabalho passam por
transformações extensas e profundas em todos os países de economia aberta, e
que a estrutura de produção vem sendo flexibilizada em todo o mundo. Mais que
uma forma de reduzir custos, ele acredita que o modelo mais flexível é uma
estratégia essencial para a competitividade das empresas e afasta o argumento
da precarização da relação de emprego, que existe “com ou sem terceirização”. O
problema, a seu ver, pode ser contornado mediante as exigências já previstas em
lei relativas às obrigações e à responsabilidade subsidiária dos tomadores de
serviços.
Para o relator, as restrições à terceirização, da forma como vêm
sendo feitas pelo conjunto de decisões da Justiça do Trabalho, violam os
princípios da livre iniciativa, da livre concorrência e da segurança jurídica,
“além de não ter respaldo legal”. “Respeitados os direitos mínimos nela
previstos, a Constituição não impõe um modelo específico de produção e não
impede modelos flexíveis”, concluiu. Seu voto foi acompanhado pelo ministro
Luiz Fux, relator do RE 958252.
O ministro Barroso propôs a seguinte tese a ser adotada no
julgamento da ADPF:
1) É lícita a terceirização de toda e qualquer atividade, meio
ou fim, não se configurando relação de emprego entre a contratante e o
empregado da contratada.
2) Na terceirização, compete à contratante verificar a
idoneidade e a capacidade econômica da terceirizada e responder
subsidiariamente pelo descumprimento das normas trabalhistas, bem como por
obrigações previdenciárias.
RE 958252
O relator, ministro Luiz Fux, votou pelo provimento do recurso
da Cenibra para reformar a decisão da Justiça do Trabalho que proibiu a terceirização.
Para ele, a Súmula 331 do TST é uma intervenção imotivada na liberdade jurídica
de contratar sem restrição.
Segundo o ministro, a Constituição lista num mesmo dispositivo
(o inciso IV do artigo 1º) a valorização social do trabalho e a livre iniciativa
como fundamentos do Estado Democrático de Direito. Os dois princípios
fundamentais estão, a seu ver, intrinsecamente conectados, o que impede a
maximização de apenas um deles. “É essencial para o progresso dos trabalhadores
brasileiros a liberdade de organização produtiva dos cidadãos”, afirmou,
ressaltando que as intervenções do poder regulatório na dinâmica da economia
devem se limitar ao mínimo possível.
Luiz Fux refutou os argumentos contrários à terceirização e
afirmou que as leis trabalhistas continuam a ser de observância obrigatória por
todas as empresas da cadeia produtiva. “Não haverá a mínima violação a nenhum
dos direitos consagrados constitucionalmente”, ressaltou. O ministro apontou
ainda diversos fatores que considera benéficos para as relações de trabalho,
como o aprimoramento das tarefas pelo aprendizado especializado, a redução da
complexidade organizacional, o estímulo à competição entre fornecedores
externos e a maior facilidade de adaptação às necessidades de modificações
estruturais.
Como tese de repercussão geral, o ministro propôs o seguinte
texto:
É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do
trabalho em pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das
empresas envolvidas, revelando-se inconstitucionais os incisos I, III, IV e VI
da Súmula 331 do TST.
O ministro Luís Roberto Barroso acompanhou o voto do relator.
CF/CR
Fonte: STF